Greve Geral: "Há um país real a expressar-se contra o país ilusório do Governo"
O novo pacote laboral apresentado pelo Governo gerou uma onda de contestação que culminou na Greve Geral. Para Renato Carmo, professor do ISCTE e Diretor do Observatório das Desigualdades, em entrevista ao Conta Lá, o paradoxo reside em precarizar o trabalho num momento de elevado nível de emprego no país.
O sociólogo salienta que, apesar da alta taxa de emprego, grande parte do trabalho criado é precário e afeta particularmente grupos como os jovens e os imigrantes. Neste sentido, critica as medidas que, em vez de combaterem esta realidade, a aprofundam, como o alargamento do prazo máximo dos contratos a termo.
"Não consigo perceber como é que se avança de facto com este tipo de propostas que afetam particularmente os jovens," refere Renato Carmo, destacando a contradição entre a intenção declarada de melhorar a vida dos jovens e as propostas apresentadas, que perpetuam a incerteza e dificultam o acesso a um vínculo permanente.
Outro ponto de crítica forte é a desregulação do tempo de trabalho, nomeadamente através da facilitação do outsourcing e do recurso ao banco de horas individual. Segundo Carmo, estas medidas constituem "uma forte limitação ao tempo, à vivência do tempo, as pessoas terem controlo sobre o seu próprio tempo." Num contexto de vida quotidiana já acelerado, a maior imprevisibilidade laboral torna a vida "muito difícil e, nalguns casos, infernal."
A proposta política e a contestação
Renato Carmo frisa ainda que o pacote laboral não foi um tema central nas últimas eleições, o que gerou um sentimento de descontentamento e de "dissonância" na população. A greve geral é vista pelo sociólogo como um sinal importante de um "país real" que se expressa face a uma ideia ilusória que tem sido construída na esfera governativa:
"A greve demonstra, de facto, que há um país real que se está a expressar. E está a expressar-se de uma forma bastante significativa. E um país, de certa maneira, ilusório que foi construído [...] ao nível da esfera governativa."
O Professor do ISCTE espera que esta contestação leve o Governo a confrontar-se com a realidade e a "recomeçar esse processo, mas num sentido não de precarizar o trabalho, mas, pelo contrário [...] de tornar o trabalho, sobretudo o emprego, com mais qualidade.